Regulamentação das Apostas Online no Brasil: Uma Análise Detalhada da Lei 14.790/23.

Introdução

O Brasil atravessa um momento histórico ao consolidar avanços significativos na regulamentação das apostas esportivas e jogos online. Em edição especial do Diário Oficial da União de 30 de dezembro de 2023, o presidente Lula sancionou o Projeto de Lei 3626/2023, agora convertido na Lei 14.790/23. Com isso, o país se prepara para uma transformação notável nesse cenário, marcando o fim de uma longa jornada para o setor em busca de regulamentação.

Analisando o texto sancionado pelo Presidente, observamos vários pontos cruciais para estabelecer um mercado responsável, transparente e próspero no país. Entre esses elementos estão a autorização apostas de quota fixa por meio físico ou digital, bem como a extensão da possibilidade da mesma modalidade de aposta em eventos de jogos online (neste caso, exclusivamente realizadas por meio digital), além de uma abordagem estratégica de tributação, requisitos rigorosos para autorização, medidas preventivas contra fraudes e manipulação, regulamentação da publicidade, proteção dos apostadores e as infrações de caráter administrativo.

Embora o texto forneça uma base sólida, o sucesso da implementação dependerá da eficácia das regulamentações subsequentes em portarias de competência do Ministério da Fazenda. Este é o próximo capítulo na jornada rumo a um mercado de apostas online transparente, responsável e próspero no Brasil.

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Com a sanção, o Ministério da Fazenda se torna protagonista na elaboração das regulamentações pendentes, estabelecendo condições e prazos, não inferiores a 06 (seis) meses para adequação das pessoas jurídicas que estiverem em atividade às disposições da referida Lei e às normas por ele estabelecidas em regulamentação específica.

Regras fiscais e compromissos necessários

A Lei 14.790/23 estabelece diretrizes claras para as empresas autorizadas, definindo a destinação de 12% do Gross Gaming Revenue (GGR) para educação, seguridade social, esporte, turismo e segurança pública, e 88% destinados à cobertura de despesas de custeio e manutenção do agente operador da loteria de apostas de quota fixa e demais jogos de apostas. 

Contudo, é importante lembrar aos interessados que os operadores estarão sujeitos a uma tributação comum a toda e qualquer empresa (i.e. IRPJ/CSLL/PIS/COFINS/ISS), além da taxa de fiscalização que vai de R$ 54.419,56 a R$ 1.944.000,00.

Para obter autorização, as empresas devem observar alguns critérios já delineados na Lei 14.790, mas que devem ser complementados pelo Ministério da Fazenda, como: constituição – com sede e administração – no Brasil; presença de sócio brasileiro com, no mínimo, 20% do capital social; e a não participação, direta ou indireta, de sócios e acionistas controladores em Sociedade Anônima de Futebol (SAF), organizações esportivas profissionais, nem atuar como dirigente de equipe desportiva brasileira.

Além disso, empresas autorizadas pelo Ministério da Fazenda poderão explorar as modalidades autorizadas pela lei mediante o cumprimento de requisitos técnicos (comprovado conhecimento e experiência em jogos, apostas e loterias de pelo menos um dos integrantes do grupo de controle da empresa interessada, segurança cibernética e infraestrutura de tecnologia da informação), adoção de políticas corporativas e o pagamento de uma outorga máxima de R$ 30 milhões para até cinco anos de operação, englobando até três marcas comerciais.

Mas não é só. Em que pese estas exigências ainda dependam de complementação, desde já, os operadores precisam estar atentos à comprovação de procedimentos e controles internos, denominados como políticas corporativas obrigatórias.

Políticas Corporativas obrigatórias

Em seção específica, destaca-se o condicionamento da autorização à demonstração, pela empresa interessada, da implementação de procedimentos e controles internos de: atendimento aos apostadores e ouvidoria; prevenção à lavagem de dinheiro; jogo responsável e prevenção ao jogo patológico; e integridade das apostas e prevenção de manipulação de resultados e outras fraudes.

Na prevenção à lavagem de dinheiro a Lei exige a adoção de procedimento para o cumprimento dos deveres previstos nos artigos 10 e 11, da Lei 9.613/98, em especial mecanismos de monitoramento e seleção de apostas, com o objetivo de caracterizá-las ou não como suspeitas de lavagem de dinheiro, sendo obrigatória a comunicação ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

Estes mesmos mecanismos de segurança devem estar alinhados com ações de mitigação de manipulação de resultados e de corrupção nos eventos reais de temática esportiva, procedimentos de identificação que permitam verificar e validar a identidade dos apostadores e sistemas eficazes para monitorar a atividade do apostador, observando critérios de: padrão de gastos, tempo gasto jogando, indicadores de comportamento de jogo, entre outros.

Tributação dos Apostadores

A sanção presidencial não ocorreu sem ajustes e vetos. Ponto alto das críticas ao texto sancionado foi o veto aos parágrafos do artigo 31, onde, até então, constava a isenção de imposto sobre ganhos abaixo de R$ 2.112 (dois mil cento e doze reais). Manteve-se a alíquota de 15% sobre o lucro líquido anual, mas, agora, sobre qualquer valor.

Direitos dos apostadores

Outra importante previsão se destina à proteção dos apostadores, pois, além dos direitos básicos já previstos no Código de Defesa do Consumidor, a Lei  14.790/23 apresenta especial destaque aos deveres de informação e orientação adequadas sobre: as regras e utilização de equipamentos, sistemas e canais eletrônicos de apostas; condições e requisitos para acerto de prognóstico e aferição de prêmio; riscos de perda dos valores apostados e transtornos de jogos patológicos; e a proteção de dados pessoais, conforme a Lei Geral de Proteção de Dados.

Publicidade

As ações de comunicação, publicidade e marketing de apostas de quota fixa serão regulamentadas pelo Ministério da Fazenda, incentivada a autorregulação. Neste particular, é importante destacar que o CONAR aprovou no dia 11 de dezembro o Anexo “X” do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, com regras específicas ao setor de apostas, que entra em vigor a partir de 31 de janeiro de 2024.

Dentre os princípios previstos no anexo, sobrelevam-se os princípio da proteção a crianças e adolescentes e o da responsabilidade social e jogo responsável, alinhando-se com as premissas basilares da Lei 14.790, que exige ações de conscientização dos apostadores e prevenção transtorno do jogo patológico, bem como a proibição da participação de menores de 18 (dezoito) anos, ações de marketing em escolas e universidades e qualquer ação de marketing sem classificação indicativa da faixa etária direcionada.

Ainda sobre o pilar da responsabilidade social, as ações de comunicação de publicidade e propaganda, em meio físico ou digital, não podem apresentar afirmações infundadas sobre a possibilidade de ganho ou que deem margem para que as apostas constituem alternativa de emprego, solução de problemas financeiros, fonte de renda ou investimento.

Enfim, no que diz respeito às personalidades conhecidas ou celebridades (influencers de modo geral), é proibida qualquer comunicação que apresentem as apostas como socialmente atraentes ou que sugiram que o jogo contribui para o êxito pessoal ou social

Expansão para Jogos Online

O texto aprovado na Câmara, o PL 3626/2023, restabeleceu a exploração de apostas em eventos virtuais de jogos, ampliando o escopo da regulamentação para além dos eventos reais de temática esportiva, permitindo, também, apostas de quota fixa em eventos virtuais de jogos on-line.

Tal previsão não foi objeto de veto presidencial e permanece no texto publicado no diário oficial. Todavia, impera destacar que o artigo 3°, da Lei 14.790/2023 descreve que as apostas de quota fixa poderão ter por objeto eventos virtuais de jogos on-line (ou seja, quando o multiplicador é definido antes da aposta), o que não se confunde, a priori, com a forma de aposta adotada na quase totalidade dos jogos de crash, cassino ou caça-níqueis tipo slot com jackpots (i.e. Tigrinho, Aviãozinho ou similares), em que o multiplicador é incerto e acaba sendo definido após o depósito do apostador, segundo o entendimento já exposto pelo Ministério da Fazenda.

Por isso mesmo, o debate sobre a legalidade e exploração dos jogos de cassino online não deve ter ponto final com a publicação da Lei em questão, sobretudo porque a realização  de operações ou atividades vedadas, não autorizadas ou em desacordo com a autorização recebida está entre as infrações administrativas previstas no Capítulo X, cuja penalidade pode ser de advertência, multa de até R$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais), cassação da autorização, cancelamento do registro, descredenciamento e proibição de obter titularidade de nova autorização, outorga, permissão, credenciamento, registro ou ato de liberação análogo.

Nota da edição: Em 29 de Julho de 2024 foi editada a PORTARIA SPA/MF Nº 1.207 pelo Ministério da Fazenda que, contrariamente às opiniões externadas anteriormente na mídia, permitiu jogos on-line, como jogos de crash, cassino ou caça-níqueis tipo slot com jackpots (i.e. Tigrinho, Aviãozinho ou similares), desde que respeitem diversos requisitos, como, por exemplo, serem certificados por entidade certificadora cuja capacidade operacional tenha sido reconhecida pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, ser o resultado determinado pelo desfecho de evento futuro aleatório, a partir de um gerador randômico de números, de símbolos, de figuras ou de objetos definido no sistema de regras, bem como ter multiplicador definido na tabela de pagamentos do jogo on-line que evidencia, no momento da efetivação da aposta, as possibilidades de ganho do apostador caso as combinações ou o resultado que sejam objeto da aposta venham a se concretizar (o que caracteriza a quota-fixa).

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